Vira Lata é uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Globo, que trouxe uma mistura de romance, humor e ação, num enredo arrojado que agradaria a tanto aos telespectadores do Brasil, como a muitos portugueses.
Em meados dos anos 90, a ficção brasileira estava em alta em Portugal. As telenovelas da Rede Globo passavam em horário nobre e conquistavam milhões de espectadores com as suas histórias envolventes e personagens carismáticas. Foi nesse contexto que Vira Lata chegou à televisão portuguesa, conquistando o público devido à sua narrativa ousada, pouco convencional e cheia de ritmo, escrita por Carlos Lombardi, conhecido pelos seus diálogos rápidos, humor mordaz e personagens fora do comum, com a colaboração de Vinícius Vianna e Maurício Arruda e com a direção geral de Jorge Fernando.
A estreia e a receção em Portugal
Vira Lata estreou originalmente no Brasil a 1 de abril de 1996, no horário nobre das 19h na Rede Globo, e que terminou a 27 de setembro do mesmo ano, contando com um total de 155 capítulos. Em Portugal, foi exibida na SIC, tendo sido transmitida em horário vespertino. O sucesso junto do público português deveu-se em grande parte ao tom leve e acelerado da história, que contrastava com as novelas mais clássicas da altura. Com uma estética moderna e urbana, foi um sopro de ar fresco nas tardes televisivas nacionais.
A história: ação, fuga e um cão muito especial
A novela gira em torno de Helena (Andréa Beltrão), uma veterinária que decide fugir com um cão de raça — Barthô — após descobrir que ele está destinado a ser vítima de experiências científicas. A sua fuga coloca-a no caminho de Bóris (Marcello Novaes), um jovem marginal de bom coração que vive de pequenos delitos e tem uma relação complicada com a mãe adotiva, Maria Joaquina (Nicette Bruno).
Helena e Bóris tornam-se fugitivos da polícia e de uma perigosa rede de tráfico de animais, vivendo uma série de aventuras pelo Brasil, sempre acompanhados pelo fiel Barthô. A química entre os protagonistas chamou a atenção do público, que se deixou envolver numa história que misturava romance, comédia e crítica social, com cenas de perseguições, acrobacias e momentos de ternura inesperados.
Personagens principais
- Helena (Andréa Beltrão): veterinária idealista, determinada e corajosa. Ao decidir salvar Barthô, dá início a uma verdadeira cruzada pelos direitos dos animais.
- Bóris (Marcello Novaes): um anti-herói carismático, com um passado marcado pela delinquência juvenil. Aos poucos, transforma-se graças à influência de Helena e do cão.
- Barthô: o “vira lata” de luxo que, apesar de ser um cão de raça, simboliza o abandono e a exploração animal. Tornou-se um dos maiores símbolos da novela.
- Maria Joaquina (Nicette Bruno): mãe adotiva de Bóris, representa a moral tradicional mas guarda segredos do passado que afetam diretamente o rumo da história.
- Marcolina (Luana Piovani): jovem e ambiciosa, representa o lado mais fútil e sonhador da juventude da época, apaixonada por Bóris.
- Augusto (Herson Capri): antagonista e dono do laboratório que quer o cão para testes, é o símbolo do poder corporativo sem escrúpulos.

Inovações e estilo narrativo
Carlos Lombardi trouxe em Vira Lata uma linguagem visual mais próxima do cinema e das séries de ação, com cenas gravadas em ambientes urbanos reais e uma montagem muito dinâmica, pontuada por uma banda sonora eclética. A novela também fez uso de flashbacks e narrações em off, o que não era assim tão comum na época.
Outro ponto de destaque foi o humor. A novela fazia sátira à própria sociedade brasileira, com críticas subtis (outras nem tanto), ao sistema judicial, à corrupção e à desigualdade social. A abordagem a temas como os direitos dos animais e os limites da ciência também trouxe uma dimensão ética ao enredo.
O sucesso além da audiência
Vira Lata pode não ter sido um fenómeno de audiência comparável a novelas como Tieta ou Rainha da Sucata, mas tornou-se uma referência afetiva para muitos espectadores portugueses. A sua exibição em Portugal coincidiu com uma época em que as novelas eram um ponto de encontro intergeracional à frente do televisor.
Além disso, o cão Barthô tornou-se uma verdadeira estrela. O pastor alemão que o interpretava era treinado e teve destaque em campanhas publicitárias e entrevistas. Houve inclusive merchandising relacionado com o animal em território brasileiro.
A banda sonora da novela, tanto a nacional como a internacional, também contribuiu para o seu sucesso em Portugal, com temas marcantes que ficaram na memória do público. A música de abertura, “Cachorro Vira-Lata” interpretada por Baby do Brasil, tornou-se particularmente marcante.
Curiosidades
- A novela marcou a estreia da atriz Luana Piovani em papéis de maior destaque na televisão.
- Marcello Novaes e Andréa Beltrão tiveram grande química em cena, e os seus personagens tornaram-se um dos casais mais queridos daquele ano.
- O nome “Vira Lata” tem um duplo significado: tanto faz referência ao cão como também simboliza a mistura de classes e origens que define a sociedade brasileira.
- A abertura da novela era bastante inovadora para a época, com animações que misturavam colagens urbanas, algo que definia o tom leve e irreverente da produção.
- Durante a produção de Vira Lata, a atriz Andréa Beltrão teve que lidar com o facto de estar grávida. Esta situação levou a alterações no argumento e ao afastamento temporário da atriz, sendo substituída por Susana Vieira durante um período.
Embora não tenha sido reposta muitas vezes na televisão, Vira Lata representa bem o panorama televisivo, no que diz respeito às novelas, nos anos 90, especialmente pela forma como abordou temas modernos com leveza e humor. A sua exibição em Portugal ajudou a consolidar o gosto do público português por histórias ligeiramente mais ousadas e diferentes das tradicionais, com as típicas temáticas de vingança ou melodrama puro.
Ainda hoje, continua a ser recordada pela imagem de um cão que correu por justiça, ao lado de dois improváveis heróis.