Símbolo da autoridade papal, a peça cerimonial é desfigurada para evitar falsificações — e a tradição tem raízes medievais
Com a morte do Papa Francisco na segunda-feira de Páscoa, um dos rituais mais simbólicos e antigos da Igreja Católica voltará a ser cumprido: a destruição do Anel do Pescador. A peça, usada em ocasiões solenes ao longo dos 12 anos do pontificado do Papa argentino, será desfigurada ou esmagada como forma de marcar o fim oficial da sua autoridade papal e impedir o uso indevido do símbolo.
A prática remonta, pelo menos, ao século XIII. O anel é nomeado em homenagem a São Pedro, o primeiro Papa e antigo pescador, e era tradicionalmente usado como selo oficial em documentos e correspondência papal. Para evitar que decretos fossem falsificados após a morte de um Papa, o Camerlengo da Santa Igreja Romana — atualmente o cardeal Kevin Farrell — tem a responsabilidade de destruir o anel na presença do Colégio dos Cardeais, um gesto que simboliza o encerramento do pontificado.
Hoje em dia, o anel já não tem função administrativa, tendo sido substituído por selos digitais e modernos sistemas de autenticação. Ainda assim, o ritual de destruição permanece como ato simbólico e de segurança, comparado por alguns vaticanistas a “retirar os acessos de uma conta online”.
Um gesto de simplicidade
Francisco, conhecido pela sua abordagem modesta, quebrou várias tradições ao longo do seu pontificado — e o próprio anel foi reflexo disso. Em vez de encomendar um novo, optou por usar um modelo reciclado, que havia pertencido ao secretário pessoal do Papa Paulo VI, feito de prata banhada a ouro, e não de ouro puro. Francisco utilizava o Anel do Pescador apenas em cerimónias formais, trocando-o no dia a dia por um simples anel de prata que já usava como cardeal.
Em 2019, causou polêmica ao evitar que os fiéis beijassem seu anel, comportamento justificado pelo Vaticano como medida de higiene. A atitude foi interpretada como parte do estilo mais humano e acessível do Papa, que priorizava o contato direto com as pessoas, sem excessos de reverência.
Destruição ou gravação?
A forma exata de “destruição” do anel ainda não é conhecida. Quando o Papa Bento XVI renunciou em 2013, em vez de destruí-lo, o Vaticano apenas gravou uma cruz profunda sobre sua superfície com um cinzel — um gesto que poderá ser repetido agora com o anel de Francisco.
Além do anel, também será desfigurado o selo papal (bula), seguindo o mesmo propósito: prevenir falsificações. Ambos os atos são esperados antes do conclave que escolherá o novo Papa.
O Papa Francisco também quebrou com outras tradições fúnebres ao escolher um túmulo simples na Basílica de Santa Maria Maior, fora do Vaticano, e um caixão único de madeira, em vez do tradicional conjunto de três.





