Uma sátira inteligente e bem-humorada que marcou a história da RTP e permanece como um marco na cultura televisiva portuguesa
Emitido pela primeira vez a 22 de outubro de 1983, “O Tal Canal” rapidamente se tornou um fenómeno de culto. Idealizado e protagonizado por Herman José, o programa parodiava os programas de televisão mais populares da época, lançando um olhar mordaz e humorístico sobre os estereótipos da sociedade portuguesa. A premissa era original: um canal fictício, dirigido pelo personagem Oliveira Casca, interpretado pelo próprio Herman, um empresário analfabeto e vaidoso, cujo objetivo era “transformar a televisão”.
Com uma estética inovadora e uma crítica afiada, o programa contava com um elenco de luxo, incluindo Vítor de Sousa, Helena Isabel, Lídia Franco, Manuel Cavaco, Margarida Carpinteiro e Natália de Sousa, todos eles trazendo à vida personagens emblemáticos e memoráveis. Em poucos meses, os doze episódios de “O Tal Canal” conseguiram um lugar especial na história da televisão, onde até então o humor seguia uma linha mais tradicional e influenciada pelo teatro de revista.
A Paródia de um Canal: Programas Dentro do Programa
No universo satírico d’“O Tal Canal”, as emissões apresentavam uma série de “programas” fictícios que eram, na verdade, caricaturas dos diferentes formatos da televisão portuguesa. Desde o noticiário Informação 3 ao infantil Momento Infantil, Herman José criou um leque diversificado de conteúdos para explorar os hábitos televisivos da época. Entre os destaques, encontravam-se programas como:
- Cozinho para o Povo – Uma sátira aos programas culinários, onde a “pseudo-cozinheira” Filipa Vasconcelos (inspirada em Filipa Vacondeus) ensinava a cozinhar com “imensa paprika”.
- O Esférico Rolando sobre a Erva – Um espaço desportivo apresentado pelo personagem José Estebes, repleto de humor e gíria futebolística.
- Viva a Coltura – Um programa cultural, supostamente educativo, criado por Oliveira Casca.
- Três Jaquinas – Uma revista de moda que parodiava o consumismo e a moda da época, exibindo peças feitas de materiais inusitados como jornal e palha-de-aço.
“O Diário de Marilu” e as Personagens Icónicas
Um dos pontos altos foi a novela O Diário de Marilu, protagonizada por Herman José como Marilu, uma criada atrapalhada numa casa senhorial. Ao lado da Condensa da França (Lídia Franco), da filha Cilinha (Helena Isabel) e do amante secreto da Condensa, Inácio (Manuel Cavaco), esta sátira melodramática gozava com os clichés das telenovelas, adicionando um toque único de ironia. Esta novela dentro do programa mostrava uma visão distorcida e humorística das classes sociais, das intrigas e da própria inocência das personagens.
Humor Que Marcou uma Geração
Aclamado pela crítica e pelo público, “O Tal Canal” foi um dos primeiros programas em Portugal a adotar um tipo de humor sofisticado, que confrontava a realidade social e política. A ousadia e irreverência da série valeram-lhe o título de “melhor programa de sempre” em várias votações, como a organizada pelo Diário de Notícias em conjunto com a revista Time Out e as Produções Fictícias, em 2007. Herman José, à época, celebrou o reconhecimento, mencionando que “na altura, o O Tal Canal foi feito de uma maneira quase inconsciente”.
Um Legado Intemporal
Passados mais de 40 anos, “O Tal Canal” ainda é recordado como um ícone de criatividade, tendo sido reexibido várias vezes na RTP e até lançado em DVD em 2008, incluindo uma entrevista exclusiva com Herman José e Nuno Markl. O humor e a crítica social presentes no programa marcaram o caminho para futuros programas de sátira e provaram a capacidade de Herman José de inovar e quebrar barreiras na televisão nacional.
Ainda hoje, a influência de “O Tal Canal” pode ser sentida nos programas de comédia portugueses, lembrando-nos de que a televisão pode ser, simultaneamente, divertida e profunda – uma verdadeira janela para a sociedade através do humor.