Entrevista com Quintino Aires: Conheça melhor o psicólogo sem “papas na língua”.

Quintino Aires

O Rumores.pt esteve à conversa com Quintino Aires, o psicólogo que não tem medo de dizer o que pensa.

Quintino Aires, atualmente a participar no programa “Noite das Estrelas”, na CMTV, é um dos mais polémicos comentadores da televisão portuguesa. Afirma que “São pouquíssimas as pessoas que na comunicação social dizem o que pensam.” o que “Para alguns nem será problema, porque por vezes me parece que nem pensam grande coisa“.

Revela-nos que “A televisão não é, nem nunca foi, a minha profissão“, e que “são mais os clientes de consulta e alunos em cursos que me procuram por indicação de clientes e alunos antigo, do que os que chegam até mim pela comunicação social.

Vamos então conhecer melhor Quintino Aires, psicólogo de profissão e comentador de programas por “hobby“.

Bom dia, Dr. Quintino Aires. Para enquadrar um pouco mais os nossos leitores e na certeza de que, enquanto “adulto”, já todos o conhecem, como descreve a sua infância, e gostaria de partilhar alguns dos momentos que mais o marcaram?

A minha infância foi uma infância feliz e de muita partilha afetiva. Caracterizada por um envolvimento familiar muito marcado. A migração do Alentejo para Cascais em 1971, como as muitas diferenças culturais e sociais, levou a que ficasse muito marcado quem eram os “da porta para dentro”. Sem querer perder as tradições e valores que os meus pais traziam, mas ao mesmo tempo empenhados na integração na nova sociedade onde agora estávamos inseridos, penso que beneficiamos do que pode ser o maior ganho na migração: um enriquecimento cultural.

A capacidade de brincar e o humor marcavam as três gerações (os meus avós maternos estavam connosco). O trabalhar e o estudar/aprender, davam rumo às nossas vidas, em conjunto com a procura de tempos livres passados em família. A assertividade dos meus pais, mais marcada na minha mãe, mas presente em ambos, impediu que nos fundíssemos na nova sociedade onde agora vivíamos. Fazíamos parte, participávamos, mas sem que os meus pais cedessem a pressões ou orientações sociais ou modas. E isso contribuiu, e bem, na minha opinião, para que construíssemos consciência da nossa identidade. Ou seja, podemos conviver com quem é diferente de nós, e não precisamos de deixar de ser quem somos.

Acho que isso se tornou mais marcado para mim pelo facto de os meus pais terem mudado do Alentejo para Cascais. Se tivessem permanecido no local de onde eles cresceram certamente a marca, e mesmo a possibilidade desse processo, não teria sido tão evidente para mim. Falo disto porque me parece o que mais marca a minha personalidade.

Ao longo da vida convivi com pessoas de culturas, religiões e idiomas muito diferentes. Pelas amizades que se formaram acredito que soube participar nos vários diálogos. Sem nunca me confundir ou deixar de perceber quem sou. Se me parece que alguma coisa é azul e 20 pessoas me disserem que é verde, eu posso olhar duas ou três vezes para verificar, mas se continuar a achar que é azul, nada, nem ninguém, me faz vacilar. Acredito que esse meu traço de personalidade resulta, em muito, da história da minha infância e adolescência.

A nível profissional, a Psicologia foi algo que sempre o apaixonou, ou tinha outras áreas em mente antes de enveredar por este caminho?

A Psicologia foi um acaso na minha vida. No meu tempo não se falava de psicólogos nem de psicologia. O que eu gostava mesmo era de matemática e de física (ciência). Mas pensava que um desses cursos seria apenas para me tornar professor. E imaginava que ao fim de cinco ou seis anos, mesmo com alunos diferentes, mas sempre as mesmas matérias, o meu trabalho se tornaria muito repetitivo, e por isso desinteressante para mim. E certamente estava certo. Depois de cerca de 20 anos a ensinar na licenciatura em psicologia, deixei a faculdade já com o doutoramento concluído porque a repetição de um ano para o outro é muito enfadonha para mim.

A Psicologia surgiu por acaso, no último momento em conversa com colegas durante a candidatura à universidade. E ainda fruto de um engano, porque a ideia era colocar Bioquímica à frente, e se não me tivesse enganado a Psicologia nunca teria entrado na minha vida. Depois comecei a achar interessante, e como trabalhava e não estava a dar despesa aos meus pais (dava aulas particulares de matemática), fui continuando. Mas nos primeiros anos com a ideia de depois fazer outro curso. Só que a cada ano me interessei mais, e fui ficando.

Quando comecei a trabalhar, aconteceu o mesmo. Foi uma desilusão! A teoria e a prática não tinham nada a ver. A psicologia não servia para nada nem ajudava ninguém, e pensei novamente em estudar bioquímica. Por acaso estava a trabalhar no laboratório de neuropsicologia do serviço de neurocirurgia do hospital militar, o que me levou, primeiro até Barcelona e depois Moscovo, para receber mais formação. E então descobri uma outra Psicologia, pela qual me apaixonei até hoje. Mas foi a vida, estes vários acasos, que me levou à Psicologia.

Sendo o Doutor Quintino Aires um psicólogo de sucesso, como surgiu a televisão, e este desafio de presença constante no “pequeno ecrã” na sua vida?

Mais uns acasos. Na altura eu tinha consultório muito próximo da sede de um jornal, o “Independente”, conhecia alguns jornalistas que lá trabalhavam e que por vezes me pediam para reler textos deles sobre comportamento. Quando mudaram para a TVI, que era ainda uma estação muito pequena, convidaram-me para participar num debate da responsabilidade da Manuela Moura Guedes, com base numa reportagem da Ana leal e apresentado pelo Júlio Magalhães. Correu muito bem, e voltaram a convidar-me.

Como o Júlio Magalhães apresentava o Jornal da hora de almoço, quando havia um tema de comportamento humano, chamavam-me. Nesse início um colega de equipa foi convidado para ir ao programa da Fátima Lopes na SIC. Ele não se sentiu confortável para ir e perguntou se eu queria ir, já que tinha estado várias vezes na TVI. E seguiram-se outros convites.

Depois de cerca de 7 anos com convites na informação da TVI fui uma vez convidado para ir ao VOCÊ NA TV, que estava a começar, apresentado pelo Manuel Luís Goucha e pela Cristina Ferreira. E “passei” para o entretenimento. E depois foi um sem fim de participações, que ficaria cansativo estar aqui a referir e nem eu me lembraria de todas. Mas foram também acasos que me levaram à televisão, rádio e imprensa escrita. E assim se passaram 26 anos.

Apesar da exposição na televisão trazer certamente muito de bom, a verdade é que o reverso da medalha é um constante escrutínio de tudo o que faz ou diz. Nos tempos que correm, onde se pode assistir a uma “cultura do cancelamento” quase diária, até que ponto isto não pode inibir muitas pessoas de dizerem realmente o que pensam e/ou afastar muita gente de aparecer ou dar a sua opinião de forma sincera com receios das consequências? Pode-se falar, ainda que de forma muito leve, de que isto é uma forma “moderna de censura coletiva”?

São pouquíssimas as pessoas que na comunicação social dizem o que pensam. Para alguns nem será problema, porque por vezes me parece que nem pensam grande coisa…Mas há muitos cujo objetivo é apenas aparecer, e têm o direito de ter esse desejo, e num dia dão uma opinião no dia seguinte a contrária, e não sentem desconforto com isso. E tudo bem (para eles). Outros afastam-se.

Nesse sentido, aquando da sua saída da TVI, considera que a nível profissional, enquanto psicólogo, essa saída o prejudicou de alguma forma?

Não. Eu sempre coloquei uma barreira muito marcada entre a minha profissão e a minha participação na comunicação social. A televisão não é, nem nunca foi, a minha profissão. Algumas pessoas têm determinada profissão e depois uma parte do tempo ocupam com um desporto, uma arte, o que for.

Eu tenho a minha profissão, sou psicólogo, e uma parte do tempo ocupo na comunicação social. Repare que apesar de muita gente saber que sou psicólogo, apenas as pessoas que trabalham comigo sabem que aulas dou e em que cursos, que tipo de consultas faço, que projetos de investigação integro em universidades estrangeiras, que prémios internacionais tenho recebido. Tenho 26 anos de televisão, e são mais os clientes de consulta e alunos em cursos que me procuram por indicação de clientes e alunos antigos, do que os que chegam até mim pela comunicação social.

Esse “muro” que coloco entre a profissão e a televisão impede que os ciclones que por vezes acontecem na sequência de alguns comentários meus na comunicação social atinjam a minha profissão. Esses tufões são produzidos e alimentados por pessoas que não me conhecem na profissão de psicólogo. Ao contrário dos clientes e alunos que lidam diretamente comigo na profissão. Estes conhecem-me muito bem, não se deixam perturbar com essas trovoadas.

Apesar de mais distante, continua a acompanhar reality shows? Sabendo que o Doutor já esteve uns dias dentro da casa, que conselhos daria a jovens que anseiam viver esta experiência?

Não, não acompanho. Recentemente um jornalista pediu-me uma opinião sobre uma atitude de uma concorrente. Por consideração a esse jornalista que já conheço há algum tempo, acedi a responder. Mas primeiro expliquei-lhe que não sabia do que se tratava, e que só poderia dar uma opinião se ele achasse que não prejudicava o facto de eu comentar apenas com base no que ele me contasse. Atualmente nem saberia dar qualquer conselho a alguém que agora se preparasse para entrar num desses programas.

Ainda neste tema dos reality shows, continua a achar que é uma das melhores experiências para se observar o comportamento humano? Dessa perspetiva e até tendo em conta a quantidade de colega que fazem parte dos mesmos, considera importante que no painel de comentadores deste tipo de programas a opinião de um psicólogo é essencial e acrescenta uma perspetiva mais profissional que não seja apenas “debitar o que lhes parece”?

Depende da escolha da produção. Se o objetivo for mostrar pessoas reais, sem as capas e máscaras que no dia-a-dia sempre são necessárias, a presença de psicólogos a comentar é fundamental. Com a leitura de um psicólogo os telespectadores conseguem aperceber-se de muito mais coisas, prendem-se mais ao programa, e aprendem mais para as próprias vidas, se quiserem, com os comentários de um profissional. Mas se a escolha da produção for apenas espetáculo, então a presença de psicólogos não é necessária. Penso que até pode atrapalhar, porque vão orientar o olhar dos telespectadores para detalhes que a produção pode não querer.

Antes de terminar, e sem qualquer tipo de termo de comparação, como está a viver este desafio na CMTV? Correspondeu ou ultrapassou as expectativas?

Ultrapassou. Eu pensava que já não havia em Portugal espaços de comunicação social onde os comentadores pudessem dizer o que realmente pensam. E por isso mesmo preparava-me para me afastar. Mas na CMTV encontrei essa liberdade. Confesso, e hoje peço desculpa por isso, que no início estranhei e pensei que seria apenas uma espécie de “simpatia de boas-vindas”. Mas passados dois anos, e vendo o que acontece com outros colegas, a CMTV/Correio da Manhã é realmente um espaço de liberdade de expressão.

Cada um é responsável pelo que diz, mas livre de se expressar. Mais, há muito que não encontrava empresas/organizações onde o respeito, o cuidado, a empatia e a consideração, quer vertical na hierarquia quer entre pares, se sentisse desde o primeiro minuto e em todos os seguintes. Depois de conhecer e sentir a CMTV/Correio da Manhã, ao contrário de me querer afastar da comunicação social, apetece-me continuar por muito mais tempo.

Para terminar, tem algum projeto novo num futuro próximo que possa levantar um pouco o véu?

Nos últimos anos fiz formação numa outra profissão. A princípio com o objetivo de adquirir conhecimento, como aconteceu noutros cursos universitários por onde passei como aluno. Mas ao longo dos anos do curso fui mudando de opinião, e agora preparo-me para acumular as duas, a de psicólogo e essa nova. O que vai acontecer num futuro muito, muito, próximo. Mas sobre isso falarei na altura.

(A entrevista foi feita por escrito)

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